Todos nós fumamos
ao menos um cigarro por dia, geralmente fazendo aquele convite indecente
"vamos fumar um cigarro?". E logo aquele um vira 2, que vira 5 e em
pouco tempo, 1 maço.
Comecei a fumar no final do ano
passado (2013), quando percebi que o cigarro era mais do que um prazer
ou uma desculpa para a vida social: poderia ser um momento para ter
ideias, ou uma válvula de escape dos problemas (stress ou tristeza), ou
poderia ser um momento mais poético ou ainda aquele espaço para meditar e
trabalhar. O cigarro logo virou parte da rotina. Para acordar ou dormir,
depois de comer, acompanhando uma cerveja ou apenas mais um amigo
fumante.
Quando dei por mim, o cigarro já não era mais um
prazer: era apenas mais um cigarro. Fumava porque fumava e pronto. E se
antes eu preferia fumar sozinha para aproveitar e degustar, agora queria
fumar em grupinho para ter um motivo (ou não fumava e mantinha-me
ansiosa com a ideia). Por mais que surgisse alguma preocupação quanto a
minha saúde e minha conta bancária, ou mesmo uma frustração e decepção a
respeito dos mesmos assuntos, não parei. Cheguei ao ponto máximo de
fumar 1 maço por semana (isso quando não dava apenas para 4-5 dias). 80
cigarros por mês.
Então veio o tempo absurdamente seco e
uma tosse forte veio me visitar (como acontecia quase todos os anos). Se
antes eu apenas ficava tranquila tomando xarope e esperando que ela
passasse, desta vez eu me preocupei muito mais: poderia ser fruto do meu
novo hábito.
Passei 10 dias tossindo até tomar coragem e
ir ao médico, esperando ao menos o diagnóstico de uma pneumonia. Saí de
lá bestificada: era apenas uma tosse alérgica.
Nos dias que
passei tossindo, ainda quis tentar fumar em um ou outro dia: mas não
conseguia nem tragar. E isso me ajudou a tomar certa consciência a
respeito deste hábito: fui ler algumas matérias na internet e logo
gravei a informação de que a fumaça entra a 300°C no organismo,
queimando-o. Também li sobre tantos outros males que ele traz à saúde.
Além disso, li que quanto mais somos expostos a imagens de pessoas
fumando (seja por texto, fotos ou vídeos), mais queremos fumar.
Mas se o cigarro é tão ruim assim, por que fumamos? Pelo estilo de
vida que ele representa. E muitos dos fumantes esperam ter algum grave
problema de saúde para cortar os tragos diários. Apesar de não ter sido
nada grave, sou muito medrosa e assustada com tudo e a possibilidade de
ter algo pior que a tosse já me fez diminuir drasticamente a 1 cigarro
por dia. Não parei e nem sei se desejarei parar algum dia, mas quero,
sempre que fumar, aproveitar cada tragada, não me obrigando a fumá-lo
por inteiro se não estiver mais com vontade ou se já não estiver mais
aproveitando-o.
Mas não falei tudo isso como um tipo de
moralização ou alerta a algum tipo de risco: pelo contrário. Senti
extrema necessidade de registrar, hoje, a bela experiência de degustação
de um cigarro.
Comecei meu dia, tal qual nos outros 3 dias
anteriores, com meu ouvido entupido (sim: quem possui o canal do
ouvido, assim como o meu, muito estreito acaba ficando com o ouvido
entupido com cera de tempos em tempos. Para resolver isso é só ir no
otorrino lavá-lo). Essa é uma das piores sensações do mundo: parece que
estou ficando surda e isso me deixa profundamente irritada. Mas não
tinha problema: logo fui ao otorrino e saí de lá até meio zonza ouvindo
tudo e mais um pouco: o barulho que a calça fazia ao roçar em minha
perna, o sapato moldando-se a cada pisada e o cabelo sendo colocado
atrás da orelha. Tudo tinha um belo e claro som próprio de si. Foi
fantástico andar na paulista hoje.
Fui almoçar com um
jornal nas mãos e umas batatinhas com maionese já na boca: degustando a
beleza de se afundar num sofazinho de fast-food. Passe um tempinho lendo
a introdução de um livro. E logo que me levantei e saí de lá, tinha o
propósito de ir direto para o trabalho, mas eu ainda tinha tempo e o
starbucks estava logo ali na esquina da al. santos com a área para
fumantes me seduzindo. Não pensei duas vezes e dei meia volta em busca
de uma cadeira solitária para poder ouvir a música da cafeteria e ver os
transeuntes que invadiam os restaurantes na hora do almoço.
Acabei me sentando quase que na última mesa do corredor. Só não sentei
porque havia um velho senhor já ocupando o lugar. Sentei-me e fiquei
dois instantes olhando ao redor. Pensei algumas vezes em ir fazer
companhia àquele senhor, mas não sabia se ele iria se incomodar com o
cigarro (que ainda era apenas uma ideia) ou se ele queria estar só. E de
qualquer modo, não saberia o que dizer a ele, já que teria apenas uns
10 minutos.
Enfim, ascendi meu cigarro. E que cigarro: cada
tragada completava aquele momento tranquilo com um pedacinho de prazer e
leveza.
Foi neste momento que descobri que preciso e
desejo conversar com pessoas mais velhas que possam me contar
experiências ou me dar lições e mostrar como a vida é e como podemos
lidar com ela. E isso me pareceu um bom plano.
Tive vontade
de ouvir a história de mais meia dúzia de pessoas que passavam na rua.
Pensei no céu azul, na paisagem entre prédios e árvores e naquele
cigarro que queimava entre meus dedos da mão direita.
Ao
cabo de 10 minutos apaguei o cigarro e o guardei para mais tarde (ainda
tinha mais 1/2 prazer inteiro). Levantei-me e pensei que deveria ter
escrito estas palavras no momento em que pensava; pensei o quanto
ansiamos e cobramos sabedoria dos mais velhos (e que isto deve ser um
fardo complicado de se carregar); pensei o quanto deveria fazer isso
mais vezes (almoçar e seguir o ócios por um tempo ainda a degustar o
sabor que ficou na boca; depois fumar e degustar o hiato de tempo que
foi infinito e agradabilíssimo enquanto existiu).
Talvez degustar seja o que falta nesta vida tão mecanicamente automática.